terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Resenha - Krig-Ha Bandolo! - Raul Seixas


Poucas coisas são tão prejudiciais à arte e ao artista quanto um rótulo: Raul Seixas permanece obscurecido pelo rótulo de Maluco Beleza, ou simples roqueiro doidão.


Se insistimos nessa visão única do Raul, perdemos todo o resto. O próprio Raulzito cantou "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante"; Raul Seixas não é um, não é sequer um único ser em constante mutação... é um sujeito múltiplo, vários ao mesmo tempo.


Krig-Ha Bandolo é o terceiro álbum de Raul Seixas (antes dele vem Raulzito e os Panteras e Sociedade da Grã Ordem Kavernista), mas o primeiro álbum solo. Considero o dito álbum como seu trabalho de estréia, já que de fato através desse trabalho Raul se tornou conhecido. É um álbum genial, álbum solo de múltiplos 'eus'.





Introdução - Good Rockin' Tonight


Um Raul de 9 anos de idade introduz o disco. Esgoelando Elvis em uma época que Rock'n'Roll no Brasil era música de doméstica e caminhoneiro, Raul dá seu grito do Tarzan (Krig-Ha Bandolo). A faixa é o audio de uma gravação de Raul cantando rock em uma rádio, algo escandaloso para a Salvador da década de 50. Raul Seixas foi um dos primeiros sujeitos a ouvir, curtir e ser rocker nesse Brasil. Morando próximo à embaixada dos Estados Unidos na Bahia, conseguia discos que por aqui não eram vendidos com os filhos dos funcionários da embaixada; desse modo também, aprendeu a falar inglês e a macaquear os americanos. Além de Elvis, James Dean era seu ídolo na época: seus filmes inspiraram a rebeldia adolescente daquele Raul; do grupinho de arruaceiros à primeira banda de rock foi um pulo. Mas havia mais, havia outra coisa na infância do rocker: tinha a Bahia, o Nordeste, Brasil, Luiz Gonzaga!

01 - Mosca na Sopa

Após o grito do Tarzan em forma de rock'n'roll, o que poderia sugerir que todo o álbum apenas um disco de rock, ouve-se a ginga manhosa de um berimbau. Mosca na Sopa é uma música de terreiro, brasileiríssima! Acontece que Raul, desse modo, dinamitava justamente o nacionalismo, as fronteiras da música: depois de abrir o álbum com sua voz infantil bradando um rock americano, jogava com o berimbau e a percussão característicamente africana. Além, na própria faixa "Mosca na Sopa" há o movimento de transição da música de terreiro no verso para o refrão cantado como Rock'n'Roll.
Enquanto os nacionalistas da época mobilizavam todos os seus preconceitos para taxar Raul como entreguista, americanista, alienado, não percebiam algo que o próprio Rauzito já sacava e estava justamente afirmando na abertura de seu álbum: a música brasileira e a música americana têm uma origem comum, isto é, o universo rítmico africano. Diante disso, como pode se sustentar qualquer divisão arbitrária entre música americana/africana/brasileira? Raul manda à merda a ortodoxia, mistura toda a sonoridade que compõe seu imaginário musical em função de um poderoso, insistente e incisivo estribilho: "Eu sou a mosca que pousou em sua sopa!".
Raul Seixas, no meu modo de sentir, se apresenta à cultura brasileira de maneira brilhante com essa música; ela é seu cartão de visitas que diz "vou incomodar". Vou incomodar a ditadura, a mpb, a classe média rasteira, o Chacrinha, enfim, vou abalar a estrutura da sociedade brasileira!

02 – Metamorfose Ambulante

O que é que eu posso dizer de novo a respeito dessa música tão consagrada, executada, usada e abusada? Se for novidade eu não sei, mas tenho de dizer que tal canção é daquelas que apesar de (ou justamente por isso) exaustivamente escutada quase nunca foi ouvida. O fenômeno a que me referia aqui se manifesta, o sentido e a força da arte são envenenados e o que é tão sutil torna-se lugar comum. Graças a esse vício, Metamorfose Ambulante é o exemplo de arte que se torna estandarte dos grossos, os quais por sua insensibilidade jamais sentem o alcance do que é cantado. Como se não bastasse, aqueles que poderiam tirar dela melhor proveito voltam as costas, torcem o nariz, fazem cara feia aos versos já banalizados.
Um exemplo lamentável foi Lula se dizendo uma “metamorfose ambulante” para justificar com todo o cinismo do mundo sua adequação política. Qualquer pessoa que mude o penteado, o namorado, o carro, o estilo, os amigos, se identifica com o manifesto filosófico do Raul. Desconfiemos da linguagem: será possível que alguém realmente compreenda o sentido de algo sem que tal pessoa houvesse tido a “mesma” experiência? Será possível entender o que significa “metamorfose ambulante” sem vivenciar a experiência de desterro existencial a que a música faz um elogio? Ora, o número de pessoas que já escutou tal música é infinitamente maior do que a quantidade que vivenciou experiência paralela de desterro existencial.
Pode parecer esoterismo elitista o que estou dizendo. Não me esqueço de que Raul Seixas é e sempre vai ser uma figura popular, mas há algo nessa música que demanda refinamento e vivência. Esse é apenas um aspecto da música, há vários outros, o que afinal faz jus ao título, sentido e propósito da canção.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O gafanhoto e o auto

Torci a chave, abri a porta e entrei no carro - nada mais natural. Antes de dar partida, surpreendeu-me, talvez por sua cor viva na escuridão, um gafanhoto! Que por ter um brilho quase viscoso, não pude sabê-lo dentro ou fora do carro. Cutuquei-o com a chave do carro para matar a dúvida. Não cutuquei-o, pois estava do outro lado da janela.
Sendo assim, pus em marcha o carro e um plano diletante (diabólico, diria o inseto) de ver até que ponto o gafanhoto resistiria à velocidade do carro. Meu palpite a essa altura era que o bicho voaria assustado, assim que o carro começasse a andar: o ponteiro marcava 20km, observei pela janela o gafanhoto, e tive a impressão de que o inseto me devolvia um olhar de desdém, como quem lança um desafio já certo da vitória. Aumentei para 40km, e o único efeito foi que o inseto passou a revirar suas antenas frenéticamente. Esse sinal fez com que eu pensasse que finalmente o bicho desistiria, mas que nada! Subi a 60km, já acima da velocidade permitida para uma via local, e o gafanhoto começou a envergar-se com a cor e a tenacidade implacável de uma vara verde.
Estava ciente de que via uma cena inusitada. Talvez ninguém jamais vira aquele inseto, naquela situação, naquela posição, daquele ângulo. No entanto, o gafanhoto me ultrajava... zombava de mim, mostrando a parte posterior de seu corpo obsceno. 'Os insetos são escandalosamente obscenos', pensei. 'Não há exterior e interior em um inseto, esqueleto, vísceras, pele estão todos ali, chapados em uma massa ao mesmo tempo viscosa e crocante, a se mostrar em seu todo'. Virei a esquina e dei com uma descida íngreme, perfeita para finalmente mandar pelos ares quele teimoso (e a essa altura admirável) gafanhoto. O auto atingiu 80km, e o inseto parecia mais firme do que nunca, curtindo a brisa, o passeio, o momento, frustando meu anseio legítimo e honesto de lhe causar um pequeno furacão que o arremessasse longe, de fazer do carro uma nave que o levasse a uma viagem intergalática. Frustando meu anseio legítimo, honesto e imperativo de ser Deus!!!
Já perto de casa, perdi o gafanhoto de vista. Mas não me iludia, sabia que ele estava ali, sentia sua presença desafiadora. Estacionei o carro na garagem, apeei do auto, fechei a porta e lá estava ele, vitorioso, pleno, um inseto. Fui tomado por um calafrio, ao lembrar uma chuva de gafanhotos, uma praga bíblica. 'Não é uma chuva, mas um gafanhoto por si só deve ser algo sério'. Me sentia ridículamente humano, inclusive por saber que uma chinelada poderia dar cabo àquilo tudo - mas eu já estava vencido.

sábado, 21 de agosto de 2010

Um sonho que eu tive

Um estudante de Goiânia está processando a rede de cinemas Severiano Ribeiro. Segundo ele, a rede lhe deu um calote de R$ 11,50 em doces.

"Fui induzido pela propaganda deles a pedir um combo de pipoca. Me arrependi daquilo, pois, como expliquei à balconista, jamais gostei de pipoca; ela me foi solícita e disse que falaria com a gerente, e que estaria fazendo de tudo para devolver meu dinheiro" disse o estudante

O curioso no caso é que, segundo testemunhas, tudo não passou de um sonho do cliente. No entanto, os advogados do estudante alegam total razão no caso:

" O meu cliente foi enganado, afinal a empresa prometeu algo e não cumpriu. De qualquer maneira, meu cliente foi frustrado em suas espectativas, - alguém tem de se responsabilizar. Diz o advogado.

A defesa retruca:

"Vamos nos mobilizar o máximo possível para defender os interesses da empresa. Essa eles não levam nem sonhando".



Ninguém ainda pensou em processar as grandes empresar pelas expectativas que nos geram? Afinal, tudo é motivo para um processo; os jornais venderiam fácil a notícia, pois a verdade é que o que se noticia hoje é tão fugaz que quase não existe de fato. Como eu dou de ombros para o dinheiro, fofocas e para as leis, resolvi escrever do nada, sobre algo que não existiu.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A: uma coisa que anda em alta ultimamente? O Flu!

B: Ora, o time?

A: o Tami!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

pra constar

A - se você não posta constantemente, ninguém mais vai te ler!

B - é preciso que eu, antes de tudo, me leia!

C - é preciso, sobretudo, que se escreva!

sábado, 11 de julho de 2009

Exercício cínico

Nada mais cínico do que escrever. Pensa-se bastante, experimenta-se arranjos, escreve-se sobre impressões já não tão vivas como quando surgiram, e, além, intenta-se que as mesmas impressões, antes vivas, agora pálidas, sejam mais vivas do que jamais foram. Escrever é um exageiro par excelance: quem conta um ponto aumenta um conto, valoriza o fato, vale-se de um mil enfeites.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Hoje a noite me mascou...[2]

"A felicidade é como a pluma...", nisso Vinícius de Moraes e Schopenhaeuer estariam em acordo. De fato é algo assaz volátil, como a doce ilusão do carnaval, e aqui estariam em acordo também - a felicidade maquia uma característica mais perene, permanente, que realmente é. O que tem estatuto de ser, o que a felicidade maquia, como máscara carnavalesca?
A música nos é bem familiar, tanto por ser um hit "viniciano" quanto porque sua letra nos evoca a velha companheira tristeza que, menos ou mais dramática, é presente a todos. É a tristeza a perene, aquilo que é realmente, que está enraizada de modo absoluto na realidade, a que sempre retorna, a que não tem fim? Estamos condenados ao drama, à melancolia, à dor, orbitando eternamente em torno da tristeza, verdade fatal que sempre se presentifica, independente da intensidade de uma felicidade que não seria mais do que prenúncio de uma tristeza que sempre advem?
Se é consolo não sei, mas examinem-se um instante: passaram vós o mais dos dias de suas vidas a se atirarem ao chão, em choro soluçante e gritos lancinantes, num sofrimento constante cujo alívio, a felicidade, vinha muito quando em vez e se transformava em pó ou lágrimas? Ora, fosse assim seria o tédio!
Ei-lo, o tédio! Aí está ele, o que vem sem prenúncio, mas que fatalmente vem, o que é perene, o que surge a pés de pano e se apossa de tudo (mesmo deste texto, é provável), aquele que é. Ele é o que move o mundo, o que cria, o que dá e o que tira (e com a mesma mão, posto que é princípio e fim de empreendimentos), o que despetala amores, o que concebe assassínios em casos extremos, quando realmente não se tem o que fazer. Nossa vida é tédio na raiz, é ele o que dura para além da felicidade e da alegria; Schopenhauer de fato diz: oscilamos entre dor e tédio.
Que sobraria a nós, homens do novo milênio, que suprimimos a dor por meio de doses diarias e bem reguladas de anestésicos mui sofisticados, além do tédio? Nós matamos a dor, ou diante dela damos de ombros, otimistas que somos com o progresso e com o "estar vivo". Tomamos distância dos perigos, abrigando-nos em torres seguras, sem que precisemos sujar nossas mãos definitivamente para nada, em cujo altar colocamos um novo Deus, sob tutela do qual nos protegemos não de feras bestiais ou qualquer outra ameaça. Louvamos o Deus "entretenimento", nome difícil, que repetimos com os olhos brilhantes, ávidos por suas dádivas, sob risco de, não conseguindo-as, cairmos no tédio absoluto. Toda a necessidade por entreter-se não viria daí, do tédio, que já se apossa de toda uma vida em que não há mais dor, a nossa, burguesa (no sentido mais fundo que a palavra alcança), cuja meta é uma fruição tediosa, infrutifera e absurda?
Do tédio não se escapa (até que a morte nos separe). Schopenhauer já o compredia além de um mero estado de humor, como afeto essencial de nossa existência. Levinas via no tédio o caráter mesmo do Ser, nossa experiência mais original do existir, pois experimentamos a exuberância do Ser, sua completude, sua saciez absoluta e ao mesmo tempo insaciável, o perpétuo começar que existir implica, a ausência de sentido com que ela nos aparece. Heidegger também se interessou pelo tédio, para quem este seria a vivência do Ser cru, desinteressada e inafetiva, quando cessamos de nos animar com os projetos mundanos. Sartre o identificava à náusea, à ausência de sentido e gratuidade da existência, e à angústia que daí surge enquanto incerteza de que nossas escolhas tenham sidos as melhores que pescamos no lodo do grosso caldo do tédio e do nada.
Podemos resumir: o tédio, sendo experiência essencial da existência, seria condição e motivante do próprio pensamento (filosófico, ou o que pensa o Ser). Vinícius, Schopenhauer, Levinas, Heidegger e Sartre viam assim o tédio. Eu vejo uma tela de computador, trespassado pelo tédio, e, quase que sem nenhuma motivação pra fazê-lo, me pego, senão me entretendo, ao menos tentando pensar o tédio.