sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O gafanhoto e o auto

Torci a chave, abri a porta e entrei no carro - nada mais natural. Antes de dar partida, surpreendeu-me, talvez por sua cor viva na escuridão, um gafanhoto! Que por ter um brilho quase viscoso, não pude sabê-lo dentro ou fora do carro. Cutuquei-o com a chave do carro para matar a dúvida. Não cutuquei-o, pois estava do outro lado da janela.
Sendo assim, pus em marcha o carro e um plano diletante (diabólico, diria o inseto) de ver até que ponto o gafanhoto resistiria à velocidade do carro. Meu palpite a essa altura era que o bicho voaria assustado, assim que o carro começasse a andar: o ponteiro marcava 20km, observei pela janela o gafanhoto, e tive a impressão de que o inseto me devolvia um olhar de desdém, como quem lança um desafio já certo da vitória. Aumentei para 40km, e o único efeito foi que o inseto passou a revirar suas antenas frenéticamente. Esse sinal fez com que eu pensasse que finalmente o bicho desistiria, mas que nada! Subi a 60km, já acima da velocidade permitida para uma via local, e o gafanhoto começou a envergar-se com a cor e a tenacidade implacável de uma vara verde.
Estava ciente de que via uma cena inusitada. Talvez ninguém jamais vira aquele inseto, naquela situação, naquela posição, daquele ângulo. No entanto, o gafanhoto me ultrajava... zombava de mim, mostrando a parte posterior de seu corpo obsceno. 'Os insetos são escandalosamente obscenos', pensei. 'Não há exterior e interior em um inseto, esqueleto, vísceras, pele estão todos ali, chapados em uma massa ao mesmo tempo viscosa e crocante, a se mostrar em seu todo'. Virei a esquina e dei com uma descida íngreme, perfeita para finalmente mandar pelos ares quele teimoso (e a essa altura admirável) gafanhoto. O auto atingiu 80km, e o inseto parecia mais firme do que nunca, curtindo a brisa, o passeio, o momento, frustando meu anseio legítimo e honesto de lhe causar um pequeno furacão que o arremessasse longe, de fazer do carro uma nave que o levasse a uma viagem intergalática. Frustando meu anseio legítimo, honesto e imperativo de ser Deus!!!
Já perto de casa, perdi o gafanhoto de vista. Mas não me iludia, sabia que ele estava ali, sentia sua presença desafiadora. Estacionei o carro na garagem, apeei do auto, fechei a porta e lá estava ele, vitorioso, pleno, um inseto. Fui tomado por um calafrio, ao lembrar uma chuva de gafanhotos, uma praga bíblica. 'Não é uma chuva, mas um gafanhoto por si só deve ser algo sério'. Me sentia ridículamente humano, inclusive por saber que uma chinelada poderia dar cabo àquilo tudo - mas eu já estava vencido.

sábado, 21 de agosto de 2010

Um sonho que eu tive

Um estudante de Goiânia está processando a rede de cinemas Severiano Ribeiro. Segundo ele, a rede lhe deu um calote de R$ 11,50 em doces.

"Fui induzido pela propaganda deles a pedir um combo de pipoca. Me arrependi daquilo, pois, como expliquei à balconista, jamais gostei de pipoca; ela me foi solícita e disse que falaria com a gerente, e que estaria fazendo de tudo para devolver meu dinheiro" disse o estudante

O curioso no caso é que, segundo testemunhas, tudo não passou de um sonho do cliente. No entanto, os advogados do estudante alegam total razão no caso:

" O meu cliente foi enganado, afinal a empresa prometeu algo e não cumpriu. De qualquer maneira, meu cliente foi frustrado em suas espectativas, - alguém tem de se responsabilizar. Diz o advogado.

A defesa retruca:

"Vamos nos mobilizar o máximo possível para defender os interesses da empresa. Essa eles não levam nem sonhando".



Ninguém ainda pensou em processar as grandes empresar pelas expectativas que nos geram? Afinal, tudo é motivo para um processo; os jornais venderiam fácil a notícia, pois a verdade é que o que se noticia hoje é tão fugaz que quase não existe de fato. Como eu dou de ombros para o dinheiro, fofocas e para as leis, resolvi escrever do nada, sobre algo que não existiu.